Morte do papa Francisco provoca 'demissão coletiva' no Vaticano

O papa Francisco entrega o barrete de cardeal a seu compatriota Victor Fernandez, então prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, no consistório de 2023. (Foto: Giuseppe Lami/EFE/EPA)

As únicas exceções à regra da "demissão coletiva" são o penitenciário-mor


Enquanto o mundo espera para saber quem será o próximo papa e como ele conduzirá a Igreja, um numeroso grupo de cardeais, arcebispos, bispos, religiosos e até leigos tem uma outra preocupação bem mais prática: o seu futuro na Cúria Romana – o conjunto de departamentos que ajudam o papa no governo da Igreja Católica. Com o falecimento do papa Francisco, praticamente todos os cargos de comando nos dicastérios romanos ficaram automaticamente vagos, e dependerá do próximo papa reconduzir os últimos ocupantes, ou nomear outras pessoas.

A constituição Universi Dominici Gregis, de 1996, que regula a sucessão papal, afirma que, durante o período da "sede vacante", "o governo da Igreja está confiado ao Colégio dos Cardeais, mas somente para o despacho dos assuntos ordinários ou inadiáveis, e para a preparação daquilo que é necessário para a eleição do novo pontífice". Em 2022, o papa Francisco reformou a Cúria por meio da constituição Praedicate Evangelium, e nela repetiu o que seus antecessores já haviam determinado: que, "no caso de Sé Apostólica vacante, todos os chefes das instituições curiais e os membros cessam o cargo".

As únicas exceções à regra da "demissão coletiva" são o penitenciário-mor, que trata de assuntos relativos ao perdão dos pecados, concessão de indulgências, absolvição de penas canônicas e outros temas correlatos (seu chefe atual é o cardeal italiano Angelo de Donatis); e o esmoler de Sua Santidade, responsável pelas obras de caridade (atualmente, o cardeal polonês Konrad Krajewski). Também permanece no posto o camerlengo, o cardeal irlandês naturalizado americano Kevin Farrell, por razões óbvias: é ele quem exerce uma série de funções ligadas à sede vacante e à eleição do novo papa.

Confira quem chefiava os demais dicastérios da Cúria Romana até o falecimento de Francisco:

Secretaria de Estado: cardeal Pietro Parolin (Itália)

Dicastério para a Evangelização: vago (por lei, o prefeito desse dicastério é o próprio papa)

Dicastério para a Doutrina da Fé: cardeal Victor Manuel Fernández (Argentina)

Dicastério para as Igrejas Orientais: cardeal Claudio Gugerotti (Itália)

Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos: cardeal Arthur Roche (Inglaterra)

Dicastério para as Causas dos Santos:
cardeal Marcello Semeraro (Itália)

Dicastério para os Bispos:
cardeal Robert Prevost (Estados Unidos)

Dicastério para o Clero: cardeal Lazzaro You Heung-sik (Coreia do Sul)

Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica: irmã Simona Brambilla (Itália)

Dicastério para os Leigos, Família e Vida: cardeal Kevin Farrell (Estados Unidos)

Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos: cardeal Kurt Koch (Suíça)

Dicastério para o Diálogo Inter-religioso:
cardeal George Jacob Koovakad (Índia)

Dicastério para Cultura e Educação: cardeal José Tolentino de Mendonça (Portugal)

Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral: cardeal Michael Czerny (Canadá)

Dicastério para os Textos Legislativos: arcebispo Filippo Iannone (Itália)

Dicastério para a Comunicação: Paolo Ruffini (Itália)

Francisco e Bento XVI mantiveram boa parte dos prefeitos herdados de antecessores

Se depender do passado recente, os até há pouco chefes de dicastérios romanos podem ficar mais tranquilos: em 2005, Bento XVI reconduziu quase todos os prefeitos de congregações (os antigos nomes dos departamentos mais importantes do Vaticano) e presidentes de conselhos herdados de João Paulo II. Oito anos depois, em 2013, foi a vez de Francisco fazer o mesmo com os principais assessores do fim do pontificado de Bento XVI. Vários deles ainda se mantiveram no cargo por muitos anos, indicando que Francisco não estava apenas devolvendo cargos de forma interina enquanto buscava substitutos mais ao seu agrado, mas que de fato contava e confiava no “ministério” recebido de seu predecessor.

Em 2013, Francisco restituiu a seus cargos os prefeitos da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Müller (que só deixou o posto em 2017); da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, Antonio Cañizares Llovera (substituído em 2014); da Congregação para os Bispos, Marc Ouellet (que se aposentou em 2023); da Congregação para as Causas dos Santos, Angelo Amato (aposentado em 2018); da antiga Congregação para a Evangelização dos Povos, Fernando Filoni (transferido em 2019); do antigo Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Francesco Coccopalmerio (aposentado em 2018); e do antigo Pontifício Conselho para a Cultura, Gianfranco Ravasi (com mandato encerrado em 2022). Já Mauro Piacenza, da Congregação para o Clero, ficou apenas mais alguns meses no posto antes de ser transferido para o cargo de penitenciário-mor, ainda em 2013.

Bento XVI também havia feito o mesmo quando assumiu o papado no lugar de João Paulo II, com uma única exceção: ter de procurar um substituto para si mesmo à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, que Joseph Ratzinger comandou de 1981 a 2005. O norte-americano William Levada permaneceu no cargo de 2005 até sua aposentadoria, em 2012.

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