"Este juiz, como muitos dos juízes corruptos perante os quais sou forçado a comparecer, deveria ser destituído!"
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enfrenta um novo embate com o Judiciário americano após a ordem de suspensão temporária da deportação de mais de 200 venezuelanos acusados de integrarem o grupo criminoso Tren de Aragua. Em resposta, Trump criticou publicamente o juiz federal responsável pela decisão, James Boasberg, chamando-o de "lunático da esquerda radical" e pedindo sua destituição. O caso impulsionou novamente o debate sobre a possibilidade de impeachment de juízes federais que bloqueiam políticas do Executivo.
O atrito entre Trump e o juiz Boasberg teve início no sábado (15), quando o magistrado, que atua no Distrito de Columbia e foi nomeado por Barack Obama, emitiu a ordem bloqueando a deportação dos criminosos venezuelanos para El Salvador, decisão que foi amplamente criticada pela Casa Branca. A ordem, segundo o magistrado, teve como objetivo permitir a análise legal do uso da Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, invocada pelo governo Trump para justificar as remoções. Apesar da medida judicial, os voos com os venezuelanos partiram e aterrissaram em El Salvador no último domingo (16). O episódio então agravou o conflito entre o Executivo e o Judiciário, já que, segundo Boasberg, sua ordem já estava em vigor no momento em que as deportações foram realizadas. O juiz acusou nesta semana a Casa Branca de violar uma ordem legal federal ao ignorar a decisão e prosseguir com a remoção dos estrangeiros.
Trump reagiu duramente à decisão e à atuação do juiz. "Este juiz lunático da esquerda radical, encrenqueiro e agitador, que foi tristemente nomeado pelo Barack Hussein Obama, não foi eleito presidente. Ele não GANHOU o VOTO POPULAR (por muito!), ele não GANHOU OS SETE SWING STATES (estados-pêndulo), ele não GANHOU 2.750 condados contra 525, ele NÃO GANHOU NADA!", escreveu o Presidente em sua rede social, a Truth Social.
Trump reforçou que seu governo está apenas cumprindo o mandato que recebeu nas urnas. "EU GANHEI POR MUITOS MOTIVOS, EM UM MANDATO ESMAGADOR, MAS A LUTA CONTRA A IMIGRAÇÃO ILEGAL PODE TER SIDO O PRINCIPAL MOTIVO PARA ESTA VITÓRIA HISTÓRICA. Estou simplesmente fazendo o que os ELEITORES queriam que eu fizesse", afirmou o mandatário.
Ele ainda pediu medidas contra Boasberg e outros magistrados que têm interferido em sua agenda. "Este juiz, como muitos dos juízes corruptos perante os quais sou forçado a comparecer, deveria ser destituído! NÃO QUEREMOS CRIMINOSOS AGRESSIVOS, VIOLENTOS E DEMENTES, MUITOS DELES ASSASSINOS TRANSTORNADOS, EM NOSSO PAÍS! VAMOS TORNAR A AMÉRICA GRANDE NOVAMENTE!!!", concluiu.
Casa Branca defende governo e critica "ativismo judicial"
A Casa Branca se posicionou de forma contundente contra o bloqueio das deportações. A porta-voz do governo Trump, Karoline Leavitt, afirmou nesta semana que há uma tentativa sistemática de "juízes ativistas" de barrar políticas legítimas do Executivo.
"Não tem nada a ver com discordar do presidente sobre política, tem a ver com discordar da Constituição e da lei, tentando usurpar a autoridade do poder executivo deste país", declarou Leavitt em entrevista à emissora CNN. "Eles fazem essas injunções sem qualquer base real, e isso é um esforço claro para retardar a agenda deste presidente", lembrou.
O Departamento de Justiça já tomou medidas legais contra a ordem de Boasberg, pedindo a um tribunal de apelações que o retire do caso, alegando que ele está exercendo "jurisdição de forma inadequada".
Juiz-chefe da Suprema Corte reagiu às críticas de Trump
A resposta dura de Trump e de sua equipe contra juízes federais gerou uma rara manifestação pública do juiz-chefe da Suprema Corte dos EUA, John Roberts. Em comunicado divulgado nesta terça-feira (18), Roberts, que foi indicado para o cargo durante o governo do presidente republicano George W. Bush, refutou a ideia de que a destituição de juízes deve ser usada como resposta a decisões judiciais "impopulares".
"Por mais de dois séculos, está estabelecido que o impeachment não é uma resposta apropriada para discordâncias sobre uma decisão judicial. O processo normal de revisão pelos tribunais de apelação existe para esse propósito", declarou Roberts, sem citar diretamente Trump.
Segundo a mídia americana, a manifestação do juiz-chefe ecoa uma posição que ele já havia adotado em 2018, quando respondeu a críticas anteriores do presidente sobre supostos "juízes de Obama" ou "juízes de Trump", afirmando que o Judiciário deveria ser visto como uma instituição independente.
Nesta quinta-feira (20), Trump formalizou seu apelo à Suprema Corte, pedindo que o tribunal limite o poder de juízes federais de emitirem liminares de âmbito nacional — o instrumento que já bloqueou diversas ações de seu governo. "As liminares ilegais de âmbito nacional emitidas por juízes radicais de esquerda poderiam levar à destruição de nosso país – essas pessoas são lunáticas que não se importam, nem um pouco, com as consequências de suas decisões e sentenças, que são muito perigosas e erradas!”, afirmou Trump na rede Truth Social. E continuou: "Se o Juiz Roberts e a Suprema Corte dos EUA não consertarem essa situação tóxica e sem precedentes IMEDIATAMENTE, nosso País estará em sérios apuros!"
Republicanos impulsionam pedidos de impeachment de juízes
Apesar do posicionamento de Roberts, aliados de Trump no Congresso estão avançando com iniciativas para destituir magistrados que têm bloqueado medidas do governo federal. Segundo o portal Axios, o deputado republicano Brandon Gill, do Texas, já apresentou um pedido formal de impeachment contra Boasberg.
Outros juízes também estão na mira do Partido Republicano. Em fevereiro, o deputado Andrew Clyde, republicano da Geórgia, anunciou que estava preparando um pedido de impeachment contra o juiz distrital John McConnell, que ordenou o desbloqueio de gastos federais congelados pelo governo Trump. No mesmo mês, o deputado Eli Crane, republicano do Arizona, disse que iria pedir o impeachment do juiz Paul Engelmayer, que impediu o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado pelo empresário Elon Musk, de acessar dados financeiros do Tesouro. O juiz Amir Hatem Mahdy Ali, do Distrito de Columbia, que ordenou a retomada temporária de repasses de ajuda externa, também conta com um pedido de impeachment em curso, feito pelo deputado republicano Andy Ogles, do Tennessee.
O governador da Flórida, Ron DeSantis, do Partido Republicano, sugeriu nesta semana que o Congresso dos EUA limite a jurisdição dos tribunais federais em relação a políticas do Executivo. "A obstrução da agenda do Presidente Trump por parte de juízes da 'resistência' era previsível. Por que não se apresentaram projetos de lei para restringir a jurisdição no início deste Congresso?", questionou durante uma mesa redonda em Sarasota. DeSantis também criticou a atuação dos parlamentares de seu partido: "Vejo o presidente fazendo coisas realmente transformadoras, mas não vejo a mesma energia no Congresso".
O vice-presidente J.D. Vance também declarou recentemente que "juízes federais têm extrapolado sua autoridade e não têm o direito de controlar o poder legítimo do Executivo".
O movimento a favor do impeachment de juízes também conta com o apoio de Musk. Segundo o New York Times, o empresário doou dinheiro (US$ 6,6 mil, o máximo que é permitido pela lei) recentemente para as campanhas de deputados republicanos que defendem a destituição dos magistrados federais que estão bloqueando as ordens de Trump. Entre os beneficiados estão Lauren Boebert (deputada republicana pelo Colorado), o deputado Andrew Clyde, o deputado Brandon Gill e o senador republicano pelo estado do Iowa Chuck Grassley, presidente do Comitê Judiciário do Senado. Em sua conta oficial no X, Musk tem chamado os magistrados que boqueiam as ordens do executivo de "ativistas" e defendido ativamente a destituição deles. O DOGE de Musk também tem sido alvo de decisões judiciais desfavoráveis. O departamento recentemente foi proibido de prosseguir com o encerramento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e de continuar fiscalizando a Agência de Segurança Social, que, segundo Musk, estava abrigando diversas fraudes.
Como funciona o impeachment de juízes nos EUA
O impeachment de juízes federais nos Estados Unidos é um processo raro e complexo. Segundo a Constituição americana, um juiz federal pode ser destituído do cargo apenas se for condenado por "traição, suborno ou outros crimes e delitos graves". O processo segue um trâmite semelhante ao impeachment de um presidente e envolve as seguintes etapas:
- Investigação e denúncia – Um membro do Congresso, geralmente da Câmara dos Deputados, propõe o impeachment com base em supostas irregularidades cometidas pelo juiz. O caso passa por uma análise preliminar em comitês específicos.
- Votação na Câmara – Se a denúncia for considerada válida, a Câmara dos Deputados vota sobre os artigos de impeachment. Aprovado por maioria simples, o processo segue para o Senado.
- Julgamento no Senado – O Senado conduz um julgamento, com os senadores atuando como jurados e ouvindo testemunhas e provas. Para que um juiz seja removido, é necessária uma condenação por pelo menos dois terços dos senadores.
- Possível remoção do cargo – Se o Senado condenar o juiz, ele é automaticamente destituído e pode ser proibido de ocupar cargos públicos no futuro. O presidente então indica um novo nome para assumir a vaga deixada.
Desde 1803, apenas 15 juízes federais dos EUA foram formalmente acusados e apenas 8 efetivamente foram removidos do cargo — a maioria por crimes como suborno, perjúrio ou má conduta ética, e não por suas decisões judiciais. O último caso ocorreu em 2010, quando o juiz G. Thomas Porteous Jr. foi destituído após ser condenado por aceitar subornos e cometer perjúrio.
Trump tem votos suficientes para o impeachment de juízes?
Embora aliados de Trump no Congresso estejam avançando com iniciativas para destituir magistrados, o sucesso desses pedidos enfrenta um obstáculo político significativo. Para que o impeachment de um juiz seja aprovado, a Câmara dos Representantes precisa de uma maioria simples, algo que os republicanos atualmente possuem. No entanto, o grande desafio está no Senado, onde é necessária a maioria de dois terços para condenar e remover um juiz.
Atualmente, os republicanos controlam 53 das 100 cadeiras no Senado, o que significa que precisariam do apoio de pelo menos 14 senadores democratas para conseguir a destituição de um magistrado. Esse cenário torna a aprovação de um impeachment altamente improvável, especialmente diante da provável resistência do Partido Democrata em concordar com esta ação.
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