Entenda o que está em jogo na disputa pelo território
O vice-presidente dos Estados Unidos, J. D. Vance, anunciou uma visita à base espacial americana em Pituffik, na Groenlândia, na próxima sexta-feira (28), em meio à crescente tensão gerada por falas do Presidente Donald Trump demonstrando intenções de anexar o território. Vance declarou que vai analisar a situação local, uma vez que o governo Trump quer "revitalizar a segurança" da ilha, considerando-a importante para a segurança global.
Ele também afirmou que "os líderes de EUA e Dinamarca ignoraram a Groenlândia por tempo demais" e que agora é preciso mudar de direção. Autoridades da Groenlândia e da Dinamarca, no entanto, reagiram à visita da delegação dos EUA, classificando a postura como "agressiva" e uma "pressão inaceitável".
Entenda o que está em jogo na disputa pelo território:
O que é a Groenlândia
Trata-se de uma vasta ilha ártica, com aproximadamente dois milhões de quilômetros quadrados, dos quais cerca de 80% estão cobertos por gelo. Com uma população pequena, de apenas 56 mil habitantes, o território possui um novo status desde 2009, que reconhece o seu direito à autodeterminação. Isso significa que, embora faça parte do Reino da Dinamarca juntamente com as Ilhas Faroe, tem autonomia e a possibilidade de decidir seu próprio futuro.
Embora a maioria dos partidos e da população defenda a separação da Dinamarca, o território ainda é economicamente dependente do país europeu, com metade do seu orçamento dependendo da ajuda anual de Copenhague.
Recursos naturais
A ilha ártica conta com rico subsolo contendo recursos naturais pouco explorados, incluindo petróleo e minerais estratégicos como metais preciosos (ouro, platina), metais básicos (ferro, cobre, níquel, cobalto, urânio) e elementos de terras raras (neodímio, disprósio, praseodímio), que interessam para a produção de baterias e para o uso militar.
Um estudo de 2023 do Geologic Survey of Denmark and Greenland (GEUS), da Universidade de Copenhague, sugere que o derretimento da camada de gelo deve permitir a identificação de novos recursos.
Apesar dessa riqueza, as tentativas locais de aumentar a receita com a exploração desses recursos fracassaram até agora, devido às dificuldades e ao alto custo de extração.
Há 14 anos, líderes da Groenlândia incentivaram empresas de mineração estrangeiras a investirem localmente, o que atraiu companhias da China e a australiana Energy Transition Minerals.
O envolvimento chinês nos negócios, no entanto, levantou bandeiras vermelhas no Ocidente, que passou a perceber o Ártico como uma frente de disputas geopolíticas. Em 2021, o parlamento da Groenlândia decidiu proibir a mineração de urânio, e novas atividades de petróleo e gás foram bloqueadas pelo governo, o que afastou mineradoras do território.
Países interessados
Os EUA possuem uma base militar no norte da Groenlândia em virtude de um acordo de defesa de 1951 com a Dinamarca.
Em dezembro, pouco antes de sua posse para um novo mandato, o Presidente americano, Donald Trump, escreveu em sua rede social Truth Social que a "propriedade e o controle" do território dinamarquês autônomo é "uma necessidade absoluta" para a segurança nacional dos EUA.
Trump acrescentou que a Groenlândia é "um lugar incrível e que as pessoas se beneficiarão se ela se tornar parte da nação (EUA)". Mais tarde, ele disse que “este é um acordo que precisava ser feito”, iniciando uma espécie de disputa com o governo dinamarquês.
A Dinamarca tem uma ligação histórica e de soberania com a Groenlândia, que constitui, juntamente com as Ilhas Faroe, a chamada Comunidade do Reino Dinamarquês. Isso implica um compromisso coletivo e a responsabilidade de cuidar de sua parte do Ártico. Diante das investidas de Trump, a primeira-ministra dinamarquesa, a social-democrata Mette Frederiksen, afirmou: "Meu ponto de partida, e o do governo, é muito claro: o futuro da Groenlândia é definido na Groenlândia". Segundo ela, o governo dinamarquês tomará uma posição somente com base em uma decisão dos próprios groenlandeses.
Além da ambição da China e de outras potências mundiais na exploração dos minerais da ilha, a Rússia também declarou recentemente interesses nacionais estratégicos no território da Groenlândia. No momento em que Trump intensificou insinuações sobre tomar posse do território, Moscou afirmou estar interessado em preservar a atmosfera de paz e estabilidade na zona do Ártico.
Na mira de Trump
O economista Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais, avalia que para além de uma compra literal do território, o interesse de Donald Trump na Groenlândia reside em objetivos estratégicos na região do Ártico. Nesse sentido, apesar de não haver um interesse real dos groenlandeses em se tornarem parte dos Estados Unidos, as declarações firmes de Trump sobre "comprar" a ilha servem a um propósito maior de ampliar a capacidade de pesquisa, tecnologia e a presença de bases militares americanas em uma área de crescente importância global.
Isso porque, além dos recursos naturais, a proximidade com a emergente Rota do Norte – que se abre à medida que o gelo derrete – confere à Groenlândia um status estratégico.
O especialista também avalia que o interesse americano em estabelecer um novo acordo poderia impulsionar o processo de independência do território, que atualmente integra o Reino da Dinamarca.
"Eles [os groenlandeses] não têm interesse nenhum em se tornar parte dos EUA, e todos sabem disso: os americanos sabem, os dinamarqueses sabem. No entanto, as ameaças de Donald Trump neste momento favorecem radicalmente o sentimento de independência. Políticos da Groenlândia entendem que poderiam receber bilhões de dólares, investimentos em infraestrutura e militares dos EUA", afirma.
Eleição recente
No dia 11 de março, o partido de centro-direita Demokraatit obteve a maioria dos votos (cerca de 30%) nas eleições do território, resultado visto como uma resposta desfavorável às recentes pressões de Trump. O líder do Demokraatit, Jens-Frederik Nielsen, afirmou que as urnas enviam uma mensagem clara a Trump de que a população groenlandesa não está à venda e busca a independência da Dinamarca, mas de forma gradual.
A segunda legenda mais votada, Naleraq, de oposição à esquerda, conquistou 24,5% dos votos e defende uma independência rápida, em até três anos, chegando a ver o interesse de Trump como um fator que pode impulsionar seus planos. O primeiro-ministro Mute Egede declarou que respeita o resultado e buscará diálogo nas negociações para a formação de uma coalizão, após seu partido governista e o aliado Siumut sofrerem um revés nas urnas. As eleições demonstram uma divisão de opiniões sobre o ritmo da busca pela independência e o papel de potências externas nesse processo.
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