'Pagers explosivos': o que se sabe sobre a autoria dos ataques ao Hezbollah no Líbano

Cortejo fúnebre dos terroristas do Hezbollah que morreram nas explosões dos pagers | Foto: EFE/EPA/WAEL HAMZEH

O Hezbollah prontamente atribuiu a Israel a responsabilidade pelas explosões, classificando-as como um "massacre"


Nesta terça-feira (17), uma série de explosões atingiu dispositivos de mensagens do tipo pager em várias localidades do sul do Líbano, principalmente ao sul de Beirute, uma região sob controle do grupo terrorista Hezbollah.

As explosões resultaram na morte de pelo menos 12 pessoas, incluindo uma criança que, de acordo com agências internacionais, seria filha de um dos membros do Hezbollah, além de dois terroristas do grupo. O número de feridos é estimado em cerca de 2,8 mil, segundo o Ministério da Saúde Pública do Líbano. As explosões também se estenderam à Síria, onde uma organização não governamental relatou que 14 pessoas ficaram feridas com a detonação de dispositivos semelhantes nos arredores de Damasco.

Já nesta quarta-feira (18), novos dispositivos de comunicação do Hezbollah, dessa vez walkie-talkies, foram detonados novamente em Beirute e no sul do Líbano, causando a morte de 20 pessoas e ferindo mais de 300, conforme informado pelo Ministério da Saúde libanês.

Na terça, o Hezbollah prontamente atribuiu a Israel a responsabilidade pelas explosões, classificando-as como um "massacre". Nesta quarta, o grupo terrorista prometeu uma resposta "específica" contra o país governado pelo premiê Benjamim Netanyahu por causa do ato.

"O que aconteceu ontem [terça] nos encherá de vontade e insistência em seguir o caminho da resistência", afirmou o grupo terrorista em comunicado oficial. Na terça, o Hezbollah também reforçou que a vingança viria "de onde o inimigo a espera e de onde não a espera".

O governo libanês também endossou na terça-feira a acusação contra Israel. O primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, declarou que o ataque representava uma "agressão criminosa" e uma séria violação da soberania do país.

Apesar das graves acusações, Israel não se pronunciou nem assumiu responsabilidade pelas explosões realizadas nesta terça e quarta. O Exército israelense, no entanto, declarou que está preparado para "qualquer missão" na fronteira com o Líbano, e o chefe do Comando Norte de Israel, major-general Ori Gordin, reforçou que as forças israelenses estão "determinadas a mudar a situação de segurança o mais rapidamente possível".

O premiê Netanyahu, por sua vez, disse nesta quarta-feira, sem mencionar os episódios no Líbano, que Israel "devolverá os residentes do norte [do país, que faz fronteira com o sul do Líbano] às suas casas em segurança".

"Já disse que devolveremos os residentes do norte em segurança às suas casas e é exatamente isso que faremos", declarou Netanyahu em uma breve mensagem de vídeo.

Jornais internacionais comentam autoria; pagers têm origem duvidosa

Embora Israel não tenha feito nenhum pronunciamento oficial sobre as acusações de envolvimento nas explosões, informações divulgadas pela emissora americana CNN e pelo jornal The New York Times nesta terça indicam que as explosões dos pagers no dia anterior foi uma "operação" conduzida por Israel através do Mossad, a agência de inteligência do país, em parceria com as Forças de Defesa de Israel (IDF).

De acordo com o Times, citando informações obtidas através de fontes militares anônimas dos EUA, os pagers que estavam em posse de terroristas do Hezbollah no Líbano foram alvo de sabotagem de Israel. Segundo o jornal, eles foram fabricados em Taiwan, equipados com explosivos durante o transporte e posteriormente entregues e distribuídos pelo Hezbollah em várias regiões do Líbano e da Síria. A publicação detalhou que pequenas quantidades de explosivos, pesando entre 20 e 40 gramas, foram colocadas ao lado da bateria desses pagers, com um dispositivo de acionamento remoto que foi ativado simultaneamente em várias localidades após os pagers receberem uma mensagem que parecia vir da liderança do Hezbollah, mas que, na verdade, serviu para ativar os explosivos instalados, que fizeram um breve barulho sonoro antes de serem detonados.  

Os pagers explodidos eram do modelo AR924, da empressa taiwanesa Gold Apollo, segundo informaram o Times e a CNN. No entanto, Hsu Ching-kuang, fundador e presidente da Gold Apollo, disse nesta quarta que o produto não era de sua empresa: "Ele só tinha a nossa marca", declarou, referindo-se aos dispositivos. Hsu disse que sua empresa assinou um contrato com uma fabricante europeia, a BAC Consulting KFT - nome revelado por meio de um comunicado -, que teria desenvolvido os dispositivos e possuía autorização para utilizar a marca da Gold Apollo.

A BAC Consulting KFT tem sede em Budapeste, capital da Hungria. Cristiana Barsony-Arcidiacono, uma mulher identificada como CEO da BAC, contudo, negou o envolvimento da empresa com a fabricação dos pagers. Ela disse à emissora americana NBC News que "eu não faço os pagers. Eu sou apenas a intermediária. Acho que você entendeu errado".

Segundo informações da Rádio Free Europe (RFL), a BAC possui um endereço confuso em Budapeste. A informação disponibilizada sobre a localização da sede da empresa bate com a de um prédio localizado em uma área residencial no subúrbio da capital da Hungria. Uma pessoa que não quis se identificar e que mora neste prédio onde em tese funciona a sede da BAC disse à RFL que nunca chegou a ver um indivíduo que pudesse identificar como funcionário da empresa naquele lugar. Segundo o anônimo, o local apenas recebia correspondências uma vez por mês.

Mikko Hypponen, especialista em crimes cibernéticos, disse ao Times que "os pagers provavelmente foram modificados para causar essas explosões, o que indica um ataque cuidadosamente planejado".

Tanto o jornal americano quanto a CNN disseram, com base em fontes militares anônimas dos EUA, que a operação teria sido meticulosamente planejada por Israel para atingir o Hezbollah em um momento de vulnerabilidade. Nos últimos meses, o grupo terrorista havia substituído o uso de smartphones por pagers, acreditando que esses dispositivos de baixa tecnologia seriam menos suscetíveis à espionagem e ataques por parte dos israelenses.

Conforme o Times, em julho deste ano, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, instruiu seus membros a abandonarem os celulares, alegando que tais dispositivos facilitavam o rastreamento por Israel. Especialistas em cibersegurança, como Keren Elazari, da Universidade de Tel Aviv, disseram ao jornal americano que a adoção de pagers foi um erro estratégico, já que, segundo Elazari, Israel encontrou uma forma de comprometer essa tecnologia. O ataque, disse a especialista, atingiu o Hezbollah em seu ponto mais vulnerável, porque o grupo terrorista havia descartado os celulares e confiaram em pagers como meio de comunicação.

"Já vimos esses tipos de dispositivos, pagers, serem alvo antes, mas não em um ataque tão sofisticado", explicou Elazari.

A jornalista libanesa Kim Ghattas, que escreve para a revista americana The Atlantic, afirmou à emissora CNN na terça que as explosões dos pagers foi "claramente um ataque direcionado de Israel contra membros do Hezbollah".

Ghattas apresentou duas possíveis razões para que Israel realizasse tal ataque. A primeira seria uma tentativa de demonstrar ao Hezbollah que o país possui amplo conhecimento sobre suas operações, o que poderia forçar o grupo terrorista a adotar uma postura mais "submissa" e "deixar claro que um aumento de seus ataques contra Israel será respondido com ainda mais violência", afirmou.

A segunda hipótese, disse a jornalista, seria que o ataque fosse uma espécie de "preparação" para uma campanha militar de grande escala contra o Líbano, aproveitando a confusão causada pelas explosões.

Outras fontes também sugeriram às agências internacionais de notícias que o Mossad poderia ter se infiltrado na cadeia de suprimentos do Hezbollah, inserindo explosivos nos pagers durante a produção ou transporte desses dispositivos. A emissora Al Jazeera e a agência Reuters relataram que os explosivos foram inseridos em mais de 5 mil pagers que tinham sido adquiridos pelo Hezbollah e, segundo os veículos, fabricados em Taiwan, o Times deu um número menor, 3 mil.

Especialistas como o ex-analista da CIA Edward Snowden também apoiaram a teoria de sabotagem por parte de Israel, afirmando que a explosão coordenada de tantos dispositivos indica a inserção deliberada de material explosivo, descartando a hipótese de um ataque hacker ou falhas espontâneas das baterias.

Ao site de notícias Axios e Al-Monitor, fontes anônimas do governo dos EUA teriam dito que os explosivos nos pagers foram detonados antes do momento previsto. Isso teria ocorrido porque terroristas do Hezbollah descobriram o plano atribuído a Israel. Segundo essas fontes, a ideia era que esse ataque com os pagers fosse o primeiro passo em uma ofensiva de maior escala.

Segundo o especialista Alcides Fonseca, da Universidade de Coimbra, a explosão tanto de pagers quanto de walkie-talkies não pode ter sido simplesmente resultado de mau funcionamento ou superaquecimento, mas sim de uma provável alteração proposital e sofisticada feita por alguém com habilidades em eletrônica e acesso ao dispositivo, o que reforça a teoria de um ataque deliberado. Ele não responsabilizou Israel pelas explosões.

"É muito pouco realista que um pager normal em superaquecimento tenha uma explosão daquela dimensão. O que pode acontecer é que como os pagers são dispositivos mais grossos, é possível por umas baterias maiores ou algum tipo de material que potencia a sua explosão lá dentro. E isso é feito sem que o utilizador se perceba, porque as caixas [dos dispositivos] são grandes. A teoria de que alguém conseguiu ter acesso aos pagers e modificá-los internamente parece-me mais plausível", disse ele em entrevista à Rádio França Internacional (RFI).

Posição da ONU

A reação internacional foi imediata. O alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, pediu uma investigação independente sobre as explosões, destacando que as mortes, onde ele incluiu também civis e crianças, são motivo de "extrema preocupação". Por sua vez, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também expressou preocupação, solicitando que todas as partes envolvidas ajam com "moderação" para evitar uma escalada do conflito no Oriente Médio, onde Israel já está enfrentando o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza após ter sido alvo de um ataque terrorista perpetrado pelos palestinos no dia 7 de outubro de 2023.

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