O presidente também voltou a defender o uso de moedas locais para as negociações entre os países membros do bloco, dispensando o dólar
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta segunda (8) que o avanço das políticas neoliberais nos países do Mercosul visto nos últimos anos agravou a desigualdade social entre os países do bloco, e ainda defendeu um fortalecimento da relação para se tornar uma voz ativa na geopolítica internacional.
As falas ocorreram durante a sessão plenária da 64ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, realizada em Assunção, no Paraguai, que ocupa a presidência temporária do bloco. O encontro ainda confirmou a entrada da Bolívia entre os membros plenos.
No mesmo discurso em que criticou o avanço das políticas neoliberais, Lula defendeu o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e do pragmatismo nas relações tanto entre os membros do bloco e com o restante do mundo "sem extremismos".
"O Mercosul é resiliente e tem sobrevivido aos difíceis anos de desintegração. Pensar igual nunca foi critério para engajamento construtivo na tarefa do bloco. A diversidade de opiniões sem extremismos e intolerância é bem-vinda, porque fortalece nossas democracias e nos conduz a escolhas melhores", disse em um discurso lido sem improvisos.
"Extremismo" de "falsos democratas"
A questão do "extremismo" foi tratada por ele ao criticar a liderança de "falsos democratas [que] tentam solapar as instituições e coloca-las a serviço de interesses reacionais". Para Lula, "enquanto a nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada".
"Democracia e desenvolvimento andam a lado. Os bons economistas sabem que o livre mercado não é uma panaceia para a humanidade", pontuou.
O presidente ainda usou o discurso para criticar a tentativa de golpe de Estado na Bolívia no último dia 26 de junho e os atos de 8 de janeiro de 2023.
"A democracia prevaleceu graças à firmeza do governo boliviano, à mobilização do seu povo e ao rechaço da comunidade internacional. O Mercosul permaneceu mais uma vez unido em defesa da plena vigência do estado de direito, consagrada no Protocolo de Ushuaia. A reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstram que não há atalhos à democracia em nossa região. Mas é preciso permanecer vigilantes", pontuou.
O presidente ainda parabenizou os trabalhistas do Reino Unido e a esquerda francesa pela vitória nas últimas eleições. "Ambas [as forças progressistas] são fundamentais para a defesa da democracia e da justiça social contra as ameaças do extremismo", completou.
Mercosul com voz no mundo
Lula voltou a apostar no Mercosul como o caminho para a inserção da América do Sul no cenário internacional e para o desenvolvimento do Brasil, o que ele já defendia quando ocupou a presidência temporária no ano passado e que não conseguiu avançar no acordo com a União Europeia – para ele, por "contradições internas" deles.
O discurso de Lula num tom ameno e lido, sem improvisos, serviu como uma reação às críticas feitas pelos ministros das relações exteriores da Argentina e do Uruguai, Diana Mondino e Omar Paganini, respectivamente. No primeiro dia da cúpula, no domingo (7), ambos criticaram o bloco – "precisa de um choque de adrenalina", disparou Mondino.
"O Mercosul será o que quisermos que seja. Não nos cabe apequená-lo com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente", disse Lula.
Para ele, os países membros do bloco precisam caminhar juntos na relação com outros países e blocos do mundo, ressaltando que apenas a integração regional gera US$ 49 bilhões em fluxos comerciais e que, desde o ano passado, fechou um acordo com Singapura, abriu espaço com os Emirados Árabes Unidos e vai aprofundar o comércio com a China.
Ele também pontuou que não é possível recorrer ao isolacionismo nas relações comerciais frente à globalização e nem a "propostas simplistas" em alguns temas. Ele apontou gargalos locais que precisam ser superados.
"Temos uma agenda inacabada, que envolve dois importantes setores de nossas economias excluídos do livre comércio. Os avanços para a inclusão do setor automotivo ainda são insuficientes. No setor açucareiro, que engloba o desenvolvimento dos biocombustíveis, não logramos sair das discussões teóricas", ressaltou.
Lula ressaltou a necessidade de se valorizar a produção de minérios, em que "podemos formar uma aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do processamento desses recursos fiquem em nossos países".
O presidente também voltou a defender o uso de moedas locais para as negociações entre os países membros do bloco, dispensando o dólar – como ele já propôs quando ocupou a presidência temporária – afirmando que "esse tipo de operação reduzirá custos e beneficiará sobretudo pequenas e médias empresas do nosso continente".
Mediador de conflitos
Por fim, Lula citou o apoio do Brasil para encontrar uma solução para a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em referência à proposta feita com a China, e voltou a disparar contra Israel por causa da reação ao Hamas.
"O apoio do Brasil à África do Sul em sua ação na Corte Internacional de Justiça visa a por fim à matança indiscriminada de mulheres e crianças em Gaza", disse.
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